Análise | Stray
Mesmo quando ainda era conhecido como HK Project ou Hong Kong Project, Stray me chamou muito a atenção. Não por ser um amante incondiciona...
Mesmo quando ainda era conhecido como HK Project ou Hong Kong Project, Stray me chamou muito a atenção. Não por ser um amante incondicional de animais, mas por ser um colírio nos olhos para o meu lado amante de games. Em um mercado saturado, com o foco em cada vez mais maximizar o lucro de qualquer forma, desrespeitando o seu consumidor, os jogos indies acabam sendo os bastiões da arte de fazer games. E Stray, sem sombra de dúvidas, se destaca facilmente como um dos melhores games que já joguei.
Importante: A nota você encontra no final da página, ao terminar o texto da análise.
Se preferir, tem a versão em vídeo desta análise :)
O “nascimento” de Stray
Tudo começou com os “pais” de Stray - vamos chamá-los assim - a dupla Koola e Viv - dois ex-desenvolvedores da Ubisoft, que saíram da empresa em 2015 para trabalhar em projetos próprios, e dar vida às suas ideias. E, como mencionei, no início de seu desenvolvimento, Stray era conhecido pelo codinome HK Project, e o enredo era um pouco diferente do que a gente tem hoje no produto final, mas ainda assim, muito da ideia inicial foi usada ou transformada em novos conceitos.
Acompanhei por um bom tempo o Twitter dos desenvolvedores, e lá, eles mostravam cada evolução que faziam nas mecânicas de seu projeto. E a cada novo vídeo, gif, ou imagem, HK Project ia tomando forma, e se tornando um projeto ainda mais promissor.
Originalmente, apesar do personagem jogável ser um gato, você não era o gato propriamente dito. Antigamente, a mochilinha que hoje abriga nosso amiguinho B12, era na verdade um dispositivo que permitia o controle remoto dos felinos, para serem, assim, usados como ferramentas de espionagem.
Além disso, o jogo se passaria na cidade murada de Kowloon, que de fato foi um lugar que existiu em Hong Kong, e era uma das maiores favelas que existiam por lá. A cidade era cercada por muros, porque originalmente era uma base militar, que servia para vigiar o mar e defender a costa contra piratas, e também para gerir a produção de sal. Durante a Segunda Guerra Mundial, partes do muro foram destruídas para usar o seu material na construção de um aeroporto, e a cidade em si só foi destruída nos anos 90.
Acredito que essa contextualização histórica é importante em um game como Stray, porque um dos pilares de sua narrativa são as mudanças. E não digo estritamente de mudanças em que você tem que tomar uma atitude para mudar sua vida, caso esteja infeliz, de mudar de casa, caso queira ir pra um lugar melhor, de mudar a cor do cabelo caso esteja insatisfeito com sua aparência. Mas principalmente de mudanças de uma maneira mais subjetiva. Independente da sua vontade, as mudanças acontecem, e a todo momento, algumas mais sutis, outras mais drásticas, sejam elas boas ou ruins. E a história de Stray em seu todo é assim.
Um mundo hostil e perigoso te aguarda!
Já no início do jogo, temos uma das grandes mudanças na vida do protagonista, que é o que desencadeia todo o resto do enredo. Vivendo uma vida tranquila, em um mundo aparentemente calmo, junto com sua família, um inesperado acidente muda completamente o seu destino - o nosso gatinho protagonista acaba desolado, perdido e machucado em um mundo totalmente desconhecido e hostil.
Comandando nosso amigo laranjinha, você basicamente pode fazer quase tudo o que um gato faz, como escalar coisas, derrubar objetos por mera diversão, dormir como se não houvesse amanhã, e o mais importante - você tem um botão específico para miar. Pode parecer algo bobo que serve apenas para ser fofo, mas miar no jogo acaba se tornando muito imersivo.
Imersivo porque quando você interage com os moradores, eles sempre te respondem com uma expressão em seus monitores que seriam suas cabeças, então você acaba se acostumando sempre que encontrar alguém, a miar para essa pessoa, para saber sua reação. Ou então quando alguém te xinga, você logo já desfere um belo de um miado para responder a grosseria que lhe foi dita. Fora os casos em que você está buscando alguém desesperadamente, e, sem saber onde está essa pessoa, você vai miar, e esperar por uma resposta. E tudo isso que falei, o jogo não te obriga ou te induz a fazer. Na verdade, a imersão é tanta, que, naturalmente, você acaba agindo como gato. E tudo isso acontece quase que de uma maneira inconsciente quanto mais você joga.
Diversos momentos enquanto jogava, me deparei com alguns obstáculos ou salas que aparentemente não tinham saída ou não tinham nada de interessante para fazer. Mas isso porque estava olhando da perspectiva de um humano. Quando comecei a enxergar as coisas com os olhos de gato, foi quando Stray me mostrou um mundo novo de possibilidades. Achou um portão de grade fechado? Não precisa perder tempo procurando chave, é só se esgueirar entre os ferros e adentrar. E se tiver uma porta trancada? Sem problemas, só encontrar uma janela e pular.
A imersão se estende até o final do jogo, pois os desenvolvedores conseguiram manter o elemento de novidade do jogo muito bem equilibrado, apresentando mecânicas novas, personagens novos, até mesmo reviravoltas que mudam sua jornada totalmente, junto com momentos de contemplação e calmaria, onde você simplesmente quer explorar um beco para ver o que acha, ou deitar na barriga de um estranho para tirar um cochilo. E em vários momentos você vai acabar rindo consigo mesmo e dizendo “isso é o que um gato faria”.
Não viajamos sozinhos - temos um companheiro de viagem e fiel escudeiro
Além do protagonista, outro personagem crucial para o jogo é B12, um drone simpático que encontramos em um apartamento abandonado logo no começo de nossa aventura. Seu nome vem de Blue Twelve, a desenvolvedora do jogo, caso você esteja curioso para saber o que significa. Ele serve de ponte entre o gato protagonista e os outros personagens, que falam uma língua indecifrável, além, claro, de te ajudar de várias maneiras na sua jornada, realizando tarefas que um gato não conseguiria, como quebrar o código de segurança de uma porta ultra protegida. Em contrapartida, ele embarca conosco em nossa aventura em troco de ajudá-lo a recuperar sua memória, pois ele não lembra quem é, muito menos por quem foi criado.
E essa é uma mecânica muito importante para o jogo, pois além de ajudar a entender escritas no cenário, fotos, lugares, a parte mais importante destas memórias é que elas te apresentam mais da história do universo de Stray. Apesar de parecer um elemento secundário, as memórias são parte importante da narrativa, e elas estão subdivididas em dois tipos - as que são representadas por uma barra maior, que vou chamá-las de “memórias principais”, e as representadas por quadrados menores, que chamarei de “memórias secundárias”. As memórias principais não são difíceis de encontrar, na verdade elas sempre estão bem óbvias no cenário, e são as memórias relacionadas ao passado de B12. Já as secundárias, estão mais escondidas, e você precisa se esgueirar em vários cantos para encontrá-las, e, apesar de não contar nada muito relevante e revelador para o enredo principal, elas não deixam de ser interessantes e cruciais para você conhecer mais do mundo do jogo. Mas não se preocupe se você perder alguma, o jogo possui um seletor de capítulos que te permite revisitar os lugares do jogo, facilitando sua busca por memórias que você acabou deixando para trás, sem precisar recomeçar o jogo do início.
Cenários deslumbrantes, que vão te encantar
Como contei antes, o mundo de Stray possui forte inspiração em Hong Kong, então você já pode imaginar o que você vai encontrar - muito neon, ruas apertadas, um aglomerado de apartamentos e lugares para visitar ou invadir. A arquitetura é fantástica, e sempre que o jogo te apresenta um cenário novo, é inevitável ficar boquiaberto com o que você está vendo diante de seus olhos. E chega até ser triste os momentos em que você precisa partir em uma fuga desenfreada, pois você acaba não tendo tempo para observar tudo o que foi construído ao seu redor. O mundo do jogo é um personagem por si só.
Mas o que seria de um mundo bem construído sem moradores não é? Stray possui vários moradores robôs, cada um com sua personalidade, que replica o comportamento humano. Você pode conversar com praticamente todos eles, e sempre terão algo a dizer. Além disso, você pode se esfregar nas pernas deles, para ver sua reação, ou dar um simples miado para receber uma reação de volta - e elas são das mais variadas. As vezes é inconcebível para nós imaginar um mundo sem humanos, talvez porque pensamos ser o protagonista do universo, no auge de nosso egocentrismo. Porém temos um choque de realidade quando interagimos com os robôs. Não é nada incomum conversar com alguém que espera algo acontecer a 200 anos, e conta isso como se fosse ontem. Ou até mesmo encontrar um prisioneiro que está feliz porque cumpriu boa parte de sua pena, e faltam só 700 anos para ser liberto, por isso não querem arriscar uma fuga. Em um primeiro momento, quando você encontra essas situações, pode até parecer sarcasmo, mas você entende que a realidade deles é bem diferente da nossa. E o medo dos Zurks, pragas devoradoras que mastigam tudo o que veem - especialmente o metal de que os robôs são feitos, fazem estes personagens viverem isolados e restritos a pequenos núcleos urbanos. Ou seja, eles vivem uma eternidade, mas não tem a liberdade para explorar o mundo que vivem.
E cada um deles são únicos, não existem NPCs genéricos copiados por todo cenário para parecer que estamos em uma cidade bem populada. Cada um tem sua maneira de se vestir, falar, se comportar. Claro que, boa parte das interações com eles estão limitadas apenas a ouvir um diálogo que se repete toda vez que você interage com eles, mas ainda assim, não deixa de ter seu toque especial para contribuir com a imersão no jogo..
E o laço que fecha o presente que é essa experiência singular é a fantástica trilha sonora. Não tenho palavras para descrever o clima que cada música traz para cada situação. Por isso, durante esta análise, você teve a oportunidade de ouvir ao fundo as músicas que mais gostei do jogo, e se você gostou do que ouviu até aqui, não preciso dizer mais nada.
Quase sem bugs
Durante minha experiência, apenas uma única vez fui vítima de um bug que impediu meu progresso no jogo. Explorando a primeira cidade, acabei pulando de um lugar alto para o chão, mas ao invés do gato pular direto para o chão, ele foi de encontro com uma caixa, que empurrou ele para dentro de uma parede, ficando preso. Não consegui sair dali, então tive que voltar pro último checkpoint e então, o problema foi resolvido sem dificuldades. Mas, de modo geral, o jogo é muito leve, e, avaliando pela minha experiência, é muito bem polido.
Conclusão
Não é muito difícil explicar o quão bom Stray é, afinal um jogo de gatinhos é, sem dúvidas, muito atrativo para qualquer um. E sua jornada que dura entre 4 a 6 horas, dependendo do tempo que você explora os cenários, também é convidativa para as pessoas que não tem tempo ou paciência para jogar games que precisam de 40 horas ou mais para aproveitar seu enredo. Porém confesso que gostaria que a aventura fosse um pouco mais longa. Mas o mais difícil, para mim, foi fazer essa análise, minimizando todo spoiler possível sobre a história do jogo. Porque a história é fenomenal. Se você não estiver imerso no jogo, não prestar atenção nos detalhes, nos diálogos, nas nuances de cada cenário, talvez você ache o jogo apenas um cat simulator sem graça, com uma história rasa - um joguinho divertidinho. Mas se você mergulhar de cabeça no que Stray tem a oferecer, e absorver o máximo de seu conteúdo, tenho certeza que será uma experiência muito marcante, que vai te deixar com um gostinho no final de “quero mais”.
Sem dúvidas é um jogo que você precisa jogar.
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